quinta-feira, 11 de junho de 2009

Porquê?

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Os militares estenderam uma cilada a Hélder Proença e mataram-no. Convenceram-lhe da existência de uma grave e irreconciliável contradição entre António N’djai e Zamora Induta. António Injai, como verdadeiro detentor de poder militar, herdado da organização concebida pelo próprio Hélder Proença, na altura contra ‘Nino’ Vieira, de quem era Ministro da Defesa, ia então separar-se de Zamora Induta, conotado como muito próximo de Carlos Gomes, inimigo mortal de Hélder Proença e Nino Vieira.

Os serviços secretos já haviam instrumentalizado Tagmé na Wai até à data da sua morte com falsas informações - quer sobre a(s) bomba(s), quer sobre a responsabilidade de ‘Nino’ Vieira na tentativa de assassinato do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA). Conheciam a firme determinação do Hélder Proença em derrubar o Governo de Carlos Gomes e de afastar Zamora da chefia militar. Então, prepararam uma longa e paciente cilada, destilando falsas informações sobre tensões nos quartéis, ora nos Pára-Comandos, ora no próprio seio do Estado Maior. Simularam que um falso golpe de Estado estva em preparação e convenceram-no de que ele fazia parte da solução.

Hélder acreditou e sucumbiu porque António N’djai falava com ele regularmente e deu-lhe garantias, isto após receber da parte do antigo ministro informações que apontavam Zamora Induta e Carlos Gomes como sendo os verdadeiros mandantes do duplo assassinato de 1 e 2 de Março em que foram assassinados Tagmé Na Waie e ‘Nino’ Vieira, CEMGFA e Presidente da República respectivamente.

O começo da trama

Quando atravessou a fronteira, na noite da quinta-feira, Hélder Proença foi recebido por um grupo de militares ditos “descontentes” que deviam conduzi-lo a um encontro com António N’djai. Trouxeram-no até à sua casa e depois levaram-no para as instalações da base aérea, em Bissalanca, onde, para a sua surpresa foi apresentado a Zamora Induta. Eram 23H30. Nesse instante Hélder Proença apercebeu-se da cilada que fora montada, mas já era tarde de mais. Foi humilhado, espancado e depois assassinado uma hora mais tarde, em Braia, ponta de Augusto Dama, entre João Landim e Bula.

Hélder chegou de Ziguinchor sozinho e desarmado, conduzido por Lamine, um motorista senegalês. A travessia da fronteira num momento em que esta estava fechada foi facilitada pelos serviços secretos guineenses, através dos chamados ‘soldados revoltados’, fiéis a António N’djai. As duas pessoas que com ele foram abatidas eram o seu condutor pessoal, que o foi buscar a N’pak, na companhia de um amigo com quem se encontrava a confraternizar num dos bairros da capital.

Assassinato selectivo ou limpeza política

O comunicado do Ministério do Interior, a seguir aos acontecimentos, denuncia uma alegada tentativa de golpe de Estado, justificando as mortes registadas com alegadas resistências no momento da prisão dos implicados. Ora, segundo informações e fontes contraditórias, nem se podia falar de uma tentativa iminente de golpe de Estado, nem da resistência das pessoas abatidas.

Nenhum militar foi preso, nem mencionado como fazendo parte da conspiração, o que causa sérias dúvidas quanto à versão governamental dos acontecimentos. As fontes conhecedoras da vida e da história política nacional garantem que Baciro Dabó e Hélder Proença jamais se juntariam em qualquer projecto, nem político, nem económico, por divergências antigas e bem alicerçadas. Aliás, em 2006, Baciro Dabó, então Secretário de Estado no Ministério do Interior havia acusado Hélder Proença e Tagmé Na Waie de estarem a preparar uma conspiração para derrubar o presidente Nino.

Da mesma maneira, estranha é outra associação: a de Hélder Proença com Faustino Imbali. Conclui-se então que esta operação dos militares visava tão apenas assassinar algumas personalidades que inquietavam, tanto mais que pouparam a vida a Faustino Imbali, gesto por muitos comentado com a expressão 'pacto de Nhinte'.

O assassinato de Hélder Proença tinha sido inicialmente concebido como sendo uma operação de gangsters: começa com um rapto, seguido de homicídio, com balas alvejando certeiramente o coração dos três homens no flanco esquerdo, o que desacredita a tese de resistência, e a subsequente troca de tiros. Depois, o corpo das vítimas são abandonados na estrada (testemunha de amadorismo, crueldade e de falta de respeito à dignidade humana, mas sobretudo, expressão de que ninguém teria de prestar contas pelo ocorrido. Alguns minutos depois, o corpo é recuperado pelos malfeitores que o foram deitar num contentor de lixo, no Hospital Central de Bissau).

Como se pode conceber uma actuação destas por parte de uma instituição do Estado, de uma organização responsável? Como é que o Governo pode endossar a responsabilidade não só do assassinato mas também do vexame a que foram submetidos os restos mortais destes cidadãos? Como se disse em alguns círculos diplomáticos, as forças armadas guineenses tornaram-se num perigoso bando de malfeitores.

Os militares e o Governo enfrentam dificuldades para justificar os acontecimentos da semana passada. Falam de uma gravação, mas não se apressam a difundi-la através dos órgãos de comunicação estatais. Quiseram o apoio dos serviços do Ministério do Interior, alegando que foram estes que solicitaram a intervenção dos militares, mas o Director Geral da segurança, Antero João Correia, recusou esta tese e não assinou o comunicado preparado pelos militares, razão pela qual se encontra detido.

Mesmo admitindo a tese de golpe de Estado, muitas dúvidas ficam por esclarecer: qual era o grau de preparação? O perigo era assim tanto? Que forças estavam envolvidas (militares, bem entendido)? E porque é que nenhum militar foi preso? Porque é que as pessoas foram abatidas se já estavam detidas? Todas estas questões conduzem à conclusão de que não houve tentativa de golpe e nem foi essa a razão dos assassinatos. Houve, isso sim, um ajuste de contas e uma operação de limpeza política.

O assassinato dos dois ex-ministros e eminentes personalidades políticas suscitou tristeza e muita indignação, senão mesmo revolta na sociedade guineense. Mortes injustificadas, dizem alguns e limpeza política, dizem outros. Uma multidão inesperada acorreu à pequena morgue da capital para prestar homenagem às vítimas daquilo a que eles agora chamam de “esquadrão da morte”.

Quer Hélder Proença quer Baciro Dabó eram personalidades de proa e muito populares, não só como políticos mas também como destacadas figuras do mundo cultural. Hélder era poeta. Baciro era músico.

Quando muitos guineenses julgavam que as matanças haviam terminado com o desaparecimento de 'Nino' Vieira, os factos infelizmente confirmam que a violência política faz parte da idiossincrasia guineense, lembrando o assassinato de Amílcar Cabral, Honório Sanchez Vaz, Cesário Carvalho de Alvarenga, Paulo Dias, Momo Turé, José Francisco, Osvaldo Vieira, Paulo Correia, Viriato Pã, Ansumane Mané, Veríssimo Seabra e tantos outros actores importantes da vida política nacional.

Há, porém, uma constante: o papel dos homens da farda, que se transformaram em verdadeiros assassinos em série. Impotentes perante esta situação, cresce a legião de guineenses que reclamam a vinda de uma força internacional tal como aconteceu em Timor Leste, evitando o completo afundamento do Estado guineense.