sábado, 20 de fevereiro de 2016

OPINIÃO: Até quando, a crise guineense? 


Jorge Heitor
Jornalista

Menos de meia-hora foi quanto o Conselho de Segurança das Nações Unidas precisou esta semana para concluir que a Guiné-Bissau se encontra num verdadeiro "impasse político-judicial" e que, portanto, o melhor será prolongar até ao próximo ano a missão do seu Escritório Integrado para Consolidação da Paz, de uma paz podre, naquele pequeno país da África Ocidental (UNIOGBIS).


Já farto de aturar os guineenses e a pensar em desistir de ser o representante especial em Bissau do secretário-geral Ban Ki-moon, Miguel Trovoada, antigo Presidente de São Tomé e Príncipe, disse ao Conselho, naquela reunião de 26 minutos, o que todos nós poderíamos dizer: o arrastar da crise está a prejudicar o desenvolvimento e poderá tornar-se ainda pior se não houver um diálogo "franco e sincero" entre todas as partes em causa.


Ou seja, se o Presidente da República, a Assembleia Nacional Popular, o Governo, o PAIGC e o Partido da Renovação Social (PRS) não se entenderem o país, minado por denúncias de corrupção e de desvio de dinheiros públicos, vai de mal a pior, não se conseguindo endireitar nos anos mais próximos.


Numa altura em que o Conselho de Segurança tem muito mais com que se preocupar do que com os 1,8 milhões de habitantes da Guiné-Bissau, Trovoada apresentou-lhe o relatório de Ban Ki-moon sobre o que ali se está a passar e sobre as actividades do UNIOGBIS.


No dito e extenso documento (S/2016/141), que repete muitos dos considerandos de trabalhos anteriores, o secretário-geral das Nações Unidas observa que a crise política nas fileiras do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e entre os principais dirigentes políticos do país têm impedido este de avançar, desde há mais de seis meses, com uma agenda de reformas, que de há longos anos se mostra imprescindível.


O actual marasmo, produto do choque de personalidades entre o Presidente José Mário Vaz e o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, para já não falar de outros factores, minou as perspectivas algo optimistas que se tinham seguido à mesa redonda de Março do ano passado, durante a qual, em Bruxelas, parceiros internacionais manifestaram apoio ao plano estratégico do país para o período que iria de 2015 a 2020.


Uma vez que a mesa redonda e os meses que se lhe seguiram foram um fogo fátuo, uma miragem no enorme deserto que é a perspectiva nacional da Guiné-Bissau, a actual crise, ou a fase actual da crise quase permanente, tem todo o potencial para danificar ainda mais as frágeis instituições de um Estado que teima em não o conseguir ser.


Neste contexto, durante o qual se verificou a falta de disciplina de 15 dos deputados do PAIGC, que objectivamente fizeram o jogo do Presidente José Mário Vaz e do PRS, quem se trama é a população, que nunca mais vê os frutos que lhe haviam sido prometidos pelo partido de Domingos Simões Pereira.


Perante tudo isto, o secretário-geral cessante das Nações Unidas pediu ao Presidente da República, ele próprio saído das fileiras do PAIGC, ao presidente da Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá, e ao primeiro-ministro Carlos Correia, bem como aos chefes dos partidos, que se comprometam a conseguir a estabilidade política, no interesse de todo o povo.


Como é da praxe, Ban Ki-moon agradeceu à Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), à União Africana, à CPLP, à União Europeia e a outros parceiros da Guiné-Bissau, entre os quais se contam Marrocos e a China, tudo o que no seu entender têm feito em apoio do povo da Guiné-Bissau.


Por outro lado, pediu aos estados membros da ONU que encarem a hipótese de ajudar financeiramente a CEDEAO a manter a sua missão na Guiné-Bissau, a ECOMIB, cujo actual mandato termina em Junho.


A verdade, porém, é que não estamos a ver a comunidade internacional a abrir os cordões à bolsa para prorrogar ou fortalecer qualquer espécie de missão em solo guineense. Ela que tem de se preocupar com a guerra na Síria, com o Daesh e com a enorme vaga de refugiados que tem vindo a inundar a Europa.


Noutro ponto do seu longuíssimo relatório S/2016/141, o secretário-geral da ONU congratulou-se por as Forças Armadas da Guiné-Bissau terem feito nos últimos tempos o que na verdade lhes compete: permanecer nos quartéis e não interferir nas querelas entre políticos.


Já agora, era o que mais faltava, para complicar a situação, que os militares se decidissem de novo a interferir, como o fizeram em Abril de 2012, para impedir que Carlos Gomes Júnior fosse eleito Presidente da República, como parecia ser a vontade de uma boa parte da população.


Esqueceu-se porém Ban Ki-moon, talvez por o desconhecer, de um certo aspecto da realidade guineense: uns quantos blogues que têm vindo a manter a situação efervescente, fazendo-se eco das acusações de determinadas forças políticas em relação a outras.


Num país com poucos jornais, são por vezes os blogues que tomam o seu lugar, que denunciam actos de corrupção e que pedem a cabeça deste e daquele, indo ao ponto de em certos dias dar a entender que poderão estar iminentes novos golpes de estado, como aqueles que a Guiné-Bissau já conheceu no passado, a partir de 1980.


Estes são alguns dos considerandos que nesta altura se poderão fazer, quanto a um país onde a justiça não funciona, o crime organizado tem rédea solta e os direitos humanos são frequentemente violados.


O Escritório Integrado das Nações Unidas, o UNIOGBIS, lá irá continuar até 28 de Fevereiro de 2017. E oxalá que não seja só para elaborar relatórios e dar trabalho a umas quantas pessoas; mas antes para ajudar verdadeiramente a resolver a situação de um povo que muito sofre.