sexta-feira, 20 de junho de 2008

Eu tenho um sonho...

...E o meu sonho é só este: ser recebido, em audiência, pelo Dr. Luis Manuel Cabral, Procurador-Geral da República Guiné-Bissau. É que, temos muito para conversar.

Escrevo-lhe esta carta aberta com o intuito de o conhecer, pois é Vexa a única personalidade deste país com quem nunca tive o prazer de trocar impressões. Logo eu, que trato mais primeiros-ministros por tu e confraternizo com mais chefes de Estado do que Sua Santidade o Papa, o qual, aliás, também conheço razoavelmente bem.

Pessoas que conheço e considero bem informadas, disseram-me que Vexa se tornou no PGR mais popular da história da Guiné-Bissau. Que toma partido do Estado.

Indaguei então se Vexa teria feito algo como... por exemplo: saber se alguém que ocupa o cargo de Presidente do Tribunal de Contas, pode também ser presidente de um partido político, e que ataca o Estado e o insulta de cada vez que fala à comunicação social. Onde está a ética, e o conflito de interesses, Sr. Procurador? Asseguram-me os mesmos que nada disso Vexa fez. Ou melhor, que fez uns avanços para calar ou ganhar tempo a este ou aquele sindicato que, para mais, não deram em nada.

É claro que eu conheço o poder da inveja. Ele há muita gente que diz que o Primeiro-Ministro ou o Presidente da República não fazem nada e, depois, vai-se a ver, verificamos que os homens se fartam de trabalhar, o que explica o facto de serem recebidos com o hino nacional e fecho de estradas.

É por isso que insisto em conhecê-lo; porque não gosto de estar sujeito à meledicência pública daqueles que invejam os seus concidadãos.

Por isso peço humildemente a Vexa para que me receba no seu gabinete. Caso Vexa se dê ao incómodo de contactar este seu (quase) admirador (embora não saiba por que admirá-lo).

Atentamente, António Aly Silva
Contactos:
Morada: Rua de Angola, Nº 58 » Telefone: (+245) 668 31 13 » E-mail: aaly_silva@hotmail.com

A tristeza não tem fim. A felicidade, sim

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Pediram-me. Cá vai, com os devidos acertos.

Os guineenses devem trocar a idade do armário em que se viram enfiados, e ultrapassar a barreira da puberdade.
Ao guineense, é com a alma em sangue que peço: Pense. Reflicta. Confesse. Já nenhum de nós tem idade para andar de skate. É altura de trocar o T-1 por uma casa, reclamar uma camisa no lugar de uma T-shirt e, por tabela, exigir um Estado sério, credível, respeitado. Grande. Crescido. Como nós.
Como é que um país com quase quarenta anos de independência, com tanta história de mestria e valentia; como é que este país que lutou pela sua independência e de mais quatro(!) países atirou a toalha ao chão?
Este país é coisa pouca para alguém? Seja. Mas é nosso. Pode até ser uma coisa pouca, uma luz qualquer. Chega-nos. Deslumbra-nos. A Guiné-Bissau podia, hoje, ser um gigante entre gigantes mas nunca deixaram-na ter essa medida, esse sentido de proporção, a mínima mercê. E, no entanto, a Guiné-Bissau continua brilhante como se a noite não existisse.
Do que nos vale uma Nação sem nacionalismos? Que tal é a sensação desta alma colectiva que se desalma diariamente; esta idade sem qualidade, este tempo dessincronizado com a nossa natureza, onde já não há herói, figura, exemplo, esperança que nos empolgue ou nos sirva?
A Guiné-Bissau é o país do universo africano que fala o português que, proporcionalmente, tem melhores e mais quadros nos organismos internacionais. E se não regressam é porque aqui tudo é muito previsível e, normalmente, o que acontece é quase sempre mau. Verdade seja dita, raras vezes se registam acontecimentos que indiciam novos tempos. Por mais que os ventos soprem.
A Guiné-Bissau tornou-se como aquele mistério que pensamos saber e a perfeição que sabemos não conseguir. É este o mistério perfeito da realidade, o sonho sem amanhã, o desejo sem desperdício, a ideia de uma Nação, o coração de um povo. É verdade. A nossa geração – aquela que não está gasta – tem valores que importa preservar, e uma responsabilidade de proporções bíblicas, que é a de criar uma sociedade em que não se registe a exploração do homem pelo homem ou humilhantes discriminações em relação à mulher. A realidade actual do mundo impõe-nos outra reflexão, e outra intervenção. Um País é um País e é assim, País, que deveria ser.

António Aly Silva
Jornalista

Contra vontade

«Há indignação no ar, em Bissau, face a uma atitude do embaixador português para com uma cidadã lusa. Não vou comentar nem “linkar” o caso, precisamente porque já deixou de ser apenas “político-diplomático” para começar a ser pessoal e intestinal. Acho, contudo, interessante que sejam sobretudo guineenses os porta-vozes da indignação (e daí não vem mal nenhum ao mundo). Tecerei apenas algumas considerações genéricas sobre a presença de estrangeiros na capital bissau-guineense. Que fique bem claro que não me refiro a ninguém, nem a nenhum grupo de pessoas, em concreto. Bissau tem 3 tipos de brancos (diplomatas, cooperantes e outros): 1 – os que lá estão porque foram para lá enviados pela instituição/empresa para a qual trabalham; 2 – os que lá estão por dinheiro; 3 – os que lá estão porque gostam de África e/ou da Guiné-Bissau. Os terceiros, a minoria, são os mais discretos no meio desta fauna selvagem que pulula na pequena capital africana. Não dão nas vistas, fazem o seu trabalhinho e vão gozando a vida, contentes por ali estarem, embora admitindo que há locais melhores para se viver. Os primeiros e os segundos são os que causam problemas. São malcriados, trabalham contra-vontade e representam mal os organismos/empresas para os quais trabalham. Lamentam-se a toda a hora de uma terra e de um povo que já carrega nas costas um calvário inteiro. Tornam-se racistas. Armam zaragatas. Fumam droga, bebem alcóol, fazem sexo com quem não devem e passam o tempo procurando esquecer o tempo em que estão – de castigo – em Bissau. Ora, estas pessoas não têm culpa da sua sorte. Se foram parar a Bissau é porque: ou ganhavam mal onde estavam ou não mereceram a confiança dos seus superiores/patrões para ir para locais melhores (“melhores” segundo eles, pois para mim Bissau é a cidade perfeita para se viver). Assim, a culpa das suas atitudes é de quem para lá os enviou, que não deveria ter enviado. Quem, no norte do mundo, faz a escolha dos profissionais a enviar para Bissau devia ser mais criterioso e não mandar para lá qualquer um. Por outro lado, quem para lá é enviado não devia descarrregar angústias e frustrações em cima dos outros. Bissau é uma cidade pouco simpática (na perspectiva desta gente, na minha não), mas nem sempre na vida se pode trabalhar em locais (ditos por estas pessoas) “agradáveis e bonitos”. Não se pode comer bife do lombo todos os dias. Uma bentaninha cozida sem sal, cheia de espinhas e a saber a bolanha não faz mal a ninguém, de vez em quando.»
NOTA: Subscrevo, e assino por baixo. Obrigado.

Matrículas CD - Mas que brincadeira vem a ser isto?

O senhor HAMADI, há muito que deixou o cargo de Cônsul Honorário do Reino de Espanha (ou da Coca-Cola), não se sabe bem.

PERGUNTO AO MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS
DA GUINÉ-BISSAU:

Agora que o senhor HAMADI já não representa nada, por que motivo conserva a matrícula que lhe dá total imunidade? É vê-lo, imponente, no seu Land-Rover Discovery a pavonear-se pelas ruas de Bissau. A matrícula? CH 2-1 CC. Falta a fotografia da máquina, e da criatura.

P.S. - Na quarta-feira, eu mesmo dei o endereço do meu blogue à ministra guineense dos negócios Estrangeiros. E disse-lhe isto: EU SOU O POLÍCIA DO CORPO DIPLOMÁTICO. E sou.

Os bigodes

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Com o seu ar cinzento, reminiscência de um passado que foi imperial, eles continuam aí! Marca indiscutível do que é ser Português, com P gigante.
Nos bares da cidade, encontram-se nos cantos mais discretos, molhados de cerveja e salgados de mancarra.
Nas discotecas, encontram-se nos cantos mais discretos ou nos limites das pistas de dança, e aí prolongam a soberania através das bajudas ansiosas por uma ou outra nota que lhes dê o passaporte para viver mais um dia. Sim, eu também sei disso: a carne é fraca, a tentação é forte, o calor possui-nos. Todos vivemos pelo mesmo.
Pela tardinha, a sede impera e, antes da farda tirada, chegam a um café para saciar o que o organismo pede. De novo, o banho da cerveja e o sal da mancarra.
Os guineenses que passam são tratados rudemente através de frases que terminam em pá. Outra marca do Português, com P gigante, esta bem mais vergonhosa. Não é culpa dos bigodes. É culpa da educação que não receberam. Só isto lhes aponto, com um dedo qualquer que mostre desagrado.
Passo e recebo deles um sorriso simpático. Simpatizo com eles também. Lembram-me os avós que, no meu bairro de infância, levam os netos às tabernas, depois de almoço, e lhes compram um chocolate enquanto bebem o vinho vermelho escuro por um copo mal lavado.
Se não fosse sentir um arrepio de nudez sob os seus olhares, poderia encontrar ali um amparo paternal, nesta terra que não é minha, mas que amo.
AL.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

A ONU - uma manta de retalhos

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Ora cá está um organismo por excelência (gosto da palavra excelência) onde, à sexta-feira, ninguém trabalha depois do almoço. Nos outros dias, dizem-me, nada fazem. Ou melhor, fazem. Fazem pó, muito pó.

1 - Os condutores do sistema das Nações Unidas, parecem uns autênticos malucos na estrada, uns aceleras imberbes. Por onde passam deixam sempre uma nuvem de poeira nas gentes e gentes com um credo na boca. A Divisão de Trânsito da Polícia de Ordem Pública, é claro, deixa passar tudo em claro (perdoem-me a redundância). Porque «são carros com imunidade», disseram-me. Macacos me mordam. Aposto desde já isto: o primeiro carro a aparecer no meu blogue será da ONU;

2 – PERGUNTA INDISCRETA: Há cargos nacionais ocupados por estrangeiros, sem que ninguém dê um pio e peça satisfações. E a ONU na maior, pagando salários sumptuosos a estrangeiros, quando esse dinheiro dava um grande jeito aos nacionais. Era para eles, de facto;

3 – E existe, não me deixarão mentir, uma grande falta de normalidade nessa organização completamente desorganizada.

PS – Se houver, na ONU, alguém que me possa esclarecer me telefone, tá?: (+245) 668 31 13. Ou vai ser preciso organizar uma marcha em frente à vossa sede?
António Aly Silva

O Cônsul que afinal era um cavalo

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Recebi um e-mail. Eu, Aly, recebi um e-mail que mais parece um interrogatório da polícia. Daqueles que eu gosto, desde que me tratem com respeito e coisa e tal. Quero deixar aqui bem claro que muita gente não percebeu o post «Menos ais». Mas como ultimamente tenho andado ocupado a comprar guerras aqui e aly...respondo.
Ler, leram, porque tem havido feedback. Mas que não entenderam, lá isso não entenderam.
Bom, mas o que diz a criatura? Começa por falar do tempo, mas eu já o tinha topado à distância. E quando a moeda cai na ranhura, eis que surge o império em todo o seu esplendor. Aqui vai a minha resposta:
«Caro amigo
Obrigado pelo e-mail. estava mesmo a precisar. A história, como bem sabemos, foi prenhe em impérios. Por todo o lado. De todos os lados. O império português, por quem tu gritas e gesticulas, não passou disso mesmo: de um império. E é - lá está, História. Não me cabe, portanto, julgar o império português, nem outro qualquer. O meu eterno liberalismo tem limites.
Mas como escreveste a um «intelectual» - obrigadinho, pá!, o intelectual (agora sem aspas) escreve-te também (aviso-te já que gosto de reciprocidade).
Isto para te dizer o seguinte: no império romano - esse colossal império, houve de tudo: imperadores inteligentes, outros brilhantes e teve outros que eram... Bom - conta Suetónio (historiador romano 70/160, que viveu na época de pelo menos dois imperadores) - tiveram um que lhes saiu, digamos assim, pela culatra: nomeou cônsul o seu próprio cavalo! Sim, esse idiota do Calígula.
O que se diz é que é a História. Mas, deixa para lá que a história também está cheia de anedotas...

Conversas em família

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Bissau, um mês qualquer entre Maio e Outubro. Choveu toda a manhã. Podia ouvir a chuva bater nas vidraças das janelas e até o murmúrio secreto das pessoas. E sentia o agradável odor do café que a minha Avó preparava todas as manhãs. E só hoje me dei conta de que todas estas pequenas coisas são coisas boas. Desejava chegar aos domingos só para ouvir o ruído do fogão a petróleo e sobretudo a minha Avó a conversar baixinho com o meu Avô. Conversavam acerca do correr dos dias e lembravam-se do tempo em que eram jovens em flor.
Daqueles dias exaltantes, dos bailaricos de rua e de salão. «Foram bons tempos, esses», acrescentava o avô. O meu Avô era um homem pequenino e de mãos bonitas, bem talhadas de resto, pese embora todo o trabalho que suportou durante a sua longa vida. Ainda mantinha uma voz fina, bem modulada. Usava um chapéu branco que, com o passar dos anos, se apresentava todo remendado com arame fino que ele, pachorrentamente, desfiava dos fios de electricidade. Ria muito e com frequência e recusava boleias. O pretexto era sempre o mesmo: «a melhor receita para envelhecer com dignidade é caminhar». E lá ia ele todo pomposo, rua abaixo. Também dizia, a propósito de viver muito (contava na altura cerca de 80anos), que chegara a essa idade porque «gostou muito de mulheres. Ainda gosto, claro. Gosto mas já não posso, se é que me faço entender» - o meu Avô teve muitos filhos e tem-nos visto partir, com dor. Quanto a bebidas, um cálice de whisky por semana, aos domingos, e de um só trago embora se mostre um perito no assunto. «Só se deve beber entre amigos e com amigos. Quando um homem bebe só, algo está mal, algo não vai bem dentro dele». E saiu-se com esta frase lapidar: «quem bebe só está a conviver com a morte que lhe mora na alma» … A minha Avó (que morreu com a respeitável idade de 86 anos) gostava muito do meu Avô. Gostava mesmo muito e dizia-lho sorrindo enlevada (ou embevecida?), não sei bem. E ele manifestava o seu contentamento afagando-lhe as mãos e beijando-a com suavidade na testa enrugada. «Quando a gente não gosta, não deve ocultar os sentimentos e muito menos as emoções». Escutava-os feliz e adormecia no seu colo como uma criança que quer saber coisas sobre as estrelas.
Contei-vos o que sei. Outras mãos escreverão um dia, como todos os outros pormenores, o que falta nesta história.

António Aly Silva
Jornalista
Imagem: pintura de António Aly Silva

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Reforma do Sector de Segurança na Guiné-Bissau

Acompanhe tudo a partir daqui:

http://www.consilium.europa.eu/cms3_fo/showPage.asp?id=1413&mode=g&lang=en

Lembras-te de Bissau?

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“Venham daí esses ossos!”. Cruzamo-nos, por acaso, ia eu a atravessar a rua em direcção à fortaleza da Amura. Abraçamo-nos e depois afastou-se. «Olha só para ti, estás um homem!».
Este meu amigo costumava parar no bar «Escondidinho» – que fica na esquina da escola «Marques Palmeirim». Chegava de sorriso aberto, ao final da tarde, depois de grandes caminhadas pelo dia e depois de noites que só ele sabia viver. «Já estou de abalada», dizia isso sem ressentimentos nem temor. Aliás, começou a dizer isto – contaram-me – ia nos quarenta. Durou mais vinte e um; depois, sossegadamente, cerrou as persianas feitas de colmo e foi embora.
E adorava falar de mulheres - «Na minha idade é que era, vocês hoje vão para a cama por tudo e por nada». E tinha razão. Estamos sempre a ir para a cama; de manhã, à tarde e à noite. Pela primeira vez ouvi-o falar da violência da terra, dos ardores do sexo e de gente que se maltratava por um corpo quente de mulher. De gente que ele viu matar por um desvio de águas ou pela aleivosia de um dito mal interpretado. O meu amigo não era de percorrer tabernas, não. O «Escondidinho» enchia-lhe todas as medidas. Bebia o seu tinto, conversava, rindo de riso breve, ouvindo histórias. Histórias como aquelas que ele próprio contava, bem entendido; e contava-as numa toada lenta e despedida de deselegâncias.
Porém, vivia sempre o seu tempo. Nesse encontro, dois anos antes da sua morte, lembramos muitas coisas. Contou-me que enviuvara há cinco anos. A mulher morreu na sala de operações, em pleno parto, por falha de electricidade. «Ninguém contava com aquilo, foi terrível». Fez-se um silêncio sepulcral. Não consegui olhá-lo olhos nos olhos. Senti-me enfraquecido e a desfalecer e culpado por não saber o que dizer para confortá-lo. «Pelo menos ainda temos o ‘Escondidinho’» - disse-lhe. E fomos entrando. Voltou a desabafar. «Os amigos morreram todos; o Ucha, o Fernandinho...O último foi o teu pai» – disse-me. O meu pai morrera nesse ano, mais precisamente.
Fiquei então a saber aquilo que anos a fio me apoquentava: ou seja, o que este meu amigo procurava no «Escondidinho»: Letrado, ele procurava apenas a ração de afecto, os gomos de ternura que, confirmou-mo um dia, só a sua pacata e recôndita aldeia lhe poderia realmente oferecer. Bebíamos, de vez por outra mais do que manda a lei do equilíbrio; e, sobretudo conversávamos muito. E nós ouvíamo-lo muitíssimo. Ele percebera que perdera o tom da época; que a sua época era outra e que sobre essa época outra escrevera tudo quanto tinha de escrever. Porém manteve-se interessado. Lia o que os outros escreviam.
Certa tarde – contou-me o senhor Zé do «Escondidinho» - decidiu que chegara a hora de regressar à sua aldeia. E eles iam lá, vê-lo e conversá-lo. «Bebíamos agora um pouco e devagar». O meu amigo, sábio e antigo, quedava-se agora no batente da porta, no silêncio da tarde, no silêncio de todas as tardes. «Já nem havia palavra, aliás», sussurrou-me o senhor Zé. Depois, confidenciou-me, «ergueu-se e, pausadamente, atravessou os umbrais da eternidade».
António Aly Silva
Jornalista
Fotografia: (C) AAS

Porque há coisas que encantam nesse ‘tchon’

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“Um agitador cheio de coragem e loucura.” Há quem te qualifique assim (eu, por exemplo). Neste espelho cruel e cómico do que é esta cidade, este país, estas gentes, ficava bem um pouco de cor amena, tons pastel que ajudem a respirar com maior leveza nos dias que correm.
Os sorrisos com que me cruzo todos os dias. Nuns encontro inocência, noutros pura simpatia, noutros a esperança de dias melhores.
E as pessoas andam pelas ruas da cidade. Ninguém sabe para onde vão, donde vêm, o que as move. Mas andam. A cidade acorda bem cedo, bem antes de mim ou de qualquer pessoa que vive sob a protecção dos muros do meu bairro - muros de um mundo que não é este. Cada um luta à sua maneira para sobreviver a mais um dia. Mas luta pacificamente. O que vier, virá!
A força já não está nos olhares. Nem nas mãos, nem em lado nenhum. O trabalho faz-se lentamente. O tempo corre lentamente. O calor vai embora lentamente, ou não vai. A chuva agita apenas um pouco a vida desta gente, pelo menos por enquanto.
A alegria é encontrada nas pequenas coisas. Em coisas tão insignificantes que são ridículas aos olhos de quem aqui não pertence.
Um menino do interior da Guiné-Bissau, dos seus 4 anos, passou uma noite em minha casa, a dormir comigo, porque eu pertenço ao mundo dos que acham que estes pequenos gestos nos resgatarão do egoísmo em que vivemos submergidos. Estava calor, dormimos com o ar condicionado durante a noite toda. No regresso a sua casa, este menino contou aos outros meninos da sua idade que dormiu numa casa linda, cheia de vento. O que há de mais doce do que isto?
Aqui existe muita tristeza, muita miséria a todos os níveis. Mas depois existe aquela pequenina coisa pela qual vale a pena viver: a doçura reembolsada por nada! Há aqui uma magia que encanta. Essa magia está nas pessoas.

Bissau, 18 de Junho de 2008
MeGaMi
Foto: (C)AAS

Os novos colonialistas

África já foi citada de várias maneiras. E feitios. Apontam-lhe defeitos. E depois sugam-lhe até ao tutano, como diria Zeca Afonso. Porém, há uma citação que me atormenta. Tem-me perseguido, aliás, como se de uma sombra se tratasse:

«África não é nada, não faz nada nem nunca conseguirá fazer nada», afirmou Eden Kodjo, na altura secretário-geral da OUA (Organização da Unidade Africana), hoje União Africana graças ao homem dos camelos.

Eden Kodjo continua - volvidos quase trinta anos - dono desta razão sem razão, mas com razão de ser. E que é só esta:

Hoje, a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, estabelecem as regras de uma situação de domínio e exploração de facto, e que consegue ser igual ou pior e de consequências mais funestas do que a escravatura colonial.
António Aly Silva
Jornalista

terça-feira, 17 de junho de 2008

É mesmo.

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Só mesmo um judeu!

Um judeu foi ao jornal pôr o anúncio da morte da mulher:

"Escreva assim: Sara morreu."

O escriturário, muito admirado pergunta: "Mas é só isso?"

Responde o judeu: "Sim, porque senão fica muito caro!".

O escriturário explica-lhe então que paga o mesmo até cinco palavras.

O judeu aproveita:

"Então escreva assim: Sara morreu. Vendo Opel Corsa".

E por estar tudo tenso...

Marque o zero...

Uma executiva de topo de um instituto público (portanto, não se trata de uma guineense...), recém nomeada, faz a sua primeira viagem em trabalho fora da sua cidade. À noite, sentiu-se sozinha e por isso decidiu telefonar a uma empresa de acompanhantes. Diz ela ao telefone:

- "Boa noite. Preciso de uma massagem... Não, espere! Na realidade o que quero é sexo! Uma grande e duradoura sessão de sexo, mas tem de ser agora! Estou a falar a sério! Quero que dure a noite inteira! Estou disposta a fazer de tudo, participar em todas as fantasias que vocês inventarem. Traga tudo o que tiver de acessórios: algemas, chicotes, dildos, pomadas... quero ficar a noite inteira a fazer de tudo! Vamos começar por espalhar mel pelo corpo um do outro. Depois vamos lamber-nos mutuamente... ou será que você tem alguma ideia mais quente? O que acha?

Diz o homem do outro lado da linha:

- "Bem, na verdade parece-me fantástico, mas para chamadas exteriores a senhora precisa de marcar o zero primeiro...

País light

Eterna feminina, a cidade de Bissau tem o gosto da angústia. A angústia de quem não tem a varinha de condão capaz de transformar, por exemplo, uma sandes de peixe frito em maravilhosas costeletas.
Por seu lado e como bom guineense, o J. é antes de mais, um bom machista. É ele quem fixa as regras do jogo. As garinas são sinónimo de panela de caldo di tchebém e brindje de skilon ao fim-de-semana ou, ainda, de uma barriga por engrossar.
«São muitas vezes simples objectos de prazer», fiz notar ao meu amigo, que não me deixou sem o devido troco. «Sobretudo agora, depois de sucessivos anos de orgia de violência, que reduziram o pessoal masculino e fizeram com que a média mulher-homem fosse (ainda) mais dilatada. «A guerra afinal serve para estas coisas…», disse em tom desajeitado. Recordámos então, com aquele sorriso maroto, as filas intermináveis nos Armazéns do Povo e na Socomin e os jogos de futebol de salão nos ringues do agora Ministério das Finanças, e da defunta UDIB (como dói!).
Isto passou-se pouco antes do meu atribulado regresso a Lisboa (nha polícias di luxo…), no mês de Outubro do corrente ano. De volta ao país, voltei a cruzar-me com o J. numa das nossas esquinas. Estava diferente. Deixara crescer o bigode e engordara. Deitava-me agora aquele olhar melancólico e impotente. «É a Bissau a preto-e-branco» – sussurrei-lhe. «Boa mãe para uma imensa minoria e madrasta para a esmagadora maioria».
É que, há dias, há dias em que um dia parece que nunca mais passa. E há vezes em que estes anos todos passaram quase que de repente. «E o guineense comum – barafustou J. – o Zé-povinho, passa por esta vida como um gato – sem deixar marcas». Provocador (como eu, sim, como eu…) olhou à volta, para se certificar que tínhamos todos ouvido, e riu-se durante cerca de 5 minutos. Nem sequer parou de rir quando, em marcha-atrás, um automóvel conduzido por um motorista meio lélé-da-cuca quase lhe partia a perna.
Fiz-lhe notar que Bissau se transformara num parque de diversões, onde os homens são homens, mesmo que não queiram, e as mulheres são mulheres, mesmo que tenham que fingir. As mulheres divertem-se a gritar ou a fechar os olhos para se convencerem que não estão ali. Os homens cerram os dentes e abrem os olhos como prova de coragem. Na realidade, como fica mal gritar – e não foram educados para isso – defendem-se com um sentido de humor tirado dos intestinos fraquejantes. Outra maneira de ser homem é explicar que isto parece mas não é. Quer dizer, parece que podemos morrer, cair, magoarmo-nos, mas não é possível. Que País!...

António Aly Silva
Jornalista

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Menos ais


A palavra «ego», entre outros tantos significados, exprime a ideia de auto-estima. Ora aí está algo que nos anda a fazer falta a todos.
Falta-nos confiança, temos medo de arriscar e andamos todos na encolha. Melhor, tesos. Melhor ainda: f#/”$%s. E temos um problema ancestral: país algum gosta tanto de nós como gostamos dele.
FACTO: É por demais evidente nos países que colonizaram africanos que, regra geral, não vão muito à bola connosco, e, quando vão, dão-nos com os pés...
Sempre foi o drama dos guineenses gostarem mais dos estrangeiros do que os estrangeiros dos guineenses. Por exemplo, gostamos mais dos portugueses do que eles de nós. Gostamos imenso dos franceses (esses presumidos dos franceses?!) e eles não gostam assim tanto de nós. Gostamos até de muitos países que nem sequer nos conhecem quanto mais gostar de nós. Outro exemplo: Os nossos governantes nada fazem para que os guineenses continuem a querer falar português, mas ficamos amuados quando alguém diz que, se calhar, dava-nos mais jeito passar para o francês.
Os amigos escolhem-se e nós temos de escolher os nossos. Porque é que havemos de querer ser amigos de quem não gosta de nós, só porque vivemos uns tempos com eles ou porque falamos a mesma língua?
Guiné-Bissau tem irmãos a mais e amigos a menos. Os amigos escolhem-se e amizade pratica-se. E não se pode amar à distância. É preciso a proximidade, a presença, a prática. Hoje em dia, as «relações históricas» são mesmo isso: história. O presente, com os olhos postos no futuro mostra-nos a cada dia que passa que essas relações devem ser comerciais. Alguém acredita mesmo na caridade pura e simples? Se acredita, não acredita de bom grado.
Aos parceiros da Guiné-Bissau: A vossa relação connosco (a ganância em perder dinheiro, perder tempo e dignidade) parece altamente suspeita aos olhos do cidadão comum mais bem informado... Alguém disse, e bem, que a cada minuto que passa nasce um trouxa.
Aly Silva

domingo, 15 de junho de 2008

Chega-me lume

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E cá está ele («então, rapaz, tiraste a fotografia...medo?»)... Medo? Mas que medo, caramba! pela enésima vez: eu não tenho inimigos à minha altura. E aqui estou: junto aos pés (não se vê na fotografia, mas está lá) um recipiente com combustível (gasolina, que é o que há...) e, na mão, o isqueiro. Deixem-se lá de ameaças e falemos daquilo que realmente interessa. Quanto a mim, e depois de (quase) perder a esperança na Humanidade, prefiro falar de Jesus Cristo, pois fez o coxo andar, o doente sarar, mas nunca fez um burro tornar-se inteligente. Mais palavras para quê? Se juntar tudo, o resultado será, naturalmente, booooooooooooommmmmm - e o fim de tudo.

sábado, 14 de junho de 2008

Alpedrinha, feito Embaixador

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Carta de um Pai indignado
«Do alto da sua menoridade, no dia 10 de Junho, o Embaixador de Portugal mostrou a sua Raça. Ao expulsar de território português uma cidadã portuguesa, minha filha, e pior ainda, pelas estapafúrdias razões invocadas, "não ter cumprimentado Sexa", mostrou à evidência a sua pequenez, a completa falta de neurónios e a sua acentuada tendência para o consumo de penaltis do Cartacho…
Da inigualável galeria de personagens de Eça de Queiroz ocorre-me logo a comparação com o subserviente Zagalo, distinto biógrafo do eterno Conde d'Abranhos, mas sou obrigado a reconhecer que afinal este sempre dominava umas letras, tinha um estilo de escrita vigoroso e eloquentee conhecimentos escolares mínimos, o que manifestamente parece não sero o caso do Embaixador.
Faz-me lembrar mais o Alpedrinha, desterrado no Cairo a fazer vezes de representante de Portugal. Este ainda poderia ambicionar ser Embaixador, enquanto o de cá tem mais vocação para Embailador. Garantem-me pessoas amigas que este nosso Alpedrinha de trazer por casa foi, em tempos idos, porteiro do Bar Filadélfia ao Cais do Sodré.
Sinceramente não o creio. Vejo-o mais a exercer as mesmas funções na Ginginha do Rossio ou no Papa Açorda, porque mais condizentes com a sua figura caricata, o bigode de caranga e com o pé sempre a fugir-lhe para a chinela. Afinal, Portugal representa-se por pessoas de bem, civilizadas, cultas, como, por exemplo, todos aqueles que vieram participar no Simpósio Internacional de Guiledje e que trouxeram um abraço solidário, mostraram o seu elevado nível de sentimentos, deconhecimento histórico e cultural e que deixaram em todos nós uma imagem do Portugal moderno e civilizado que muito nos calou no coração.
O Alpedrinha que nos calhou em sorte tem o rei na barriga e um séquito de fieis servidores a quem humilha permanentemente na Embaixada, masque habituados à canga não tugem nem mugem, acabando até por gostar de a carregar. Uma coisa ele não sabia e passou a saber: É que há pessoas, simples mortais, com quem se pode brincar a tudo menos com a sua dignidade. Vamos a isto, então!

Carlos Schwarz»

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Beba Sagres... e veja cristais!

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Aviso à navegação (que se afunda...)

Tenho recebido e-mail's e telefonemas com manifestações de solidariedade por causa do post «Realidade ou Ficção?», vindo de pessoas simples, com cultura democrática que eu considero até bastante acima da média. Uns há que falam com a voz do dono. Mas a mim não metem medo.
Deixo entretanto este alerta a certas pessoas do CORPO DIPLOMÁTICO (CD) acreditado em Bissau:
Se o governo da Guiné-Bissau, nomeadamente o seu ministério dos Negócios Estrangeiros, não faz nada para disciplinar algum CD, eu tomarei essa responsablidade: a partir de hoje, andarei armado de uma máquina fotográfica e câmara de vídeo.
Qualquer indisciplina: carros mal estacionados, carros de marícula CD conduzidos por pessoas que não estão habilitadas para tal, acidentes, disparates, bebedeiras de fazer perder o equilibrio, promiscuidades e outros, serão alvo da minha melhor atenção.
Depois não digam que não avisei. Com prazer,
António Aly Silva (jornalista)

quarta-feira, 11 de junho de 2008

REALIDADE OU FICÇÃO?! Bem-vindo à embaixada de Portugal na Guiné-Bissau

Ou sobre o 10 de Junho - dia de Portugal, de Camões e de expulsão de portugueses...
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Soube-se que, o Exmo. Senhor Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau teve a brilhante e elegante ideia de ser pioneiro na expulsão de portugueses convidados para a comemoração do dia de Portugal, em território considerado português...

Ao que tudo indica, este acto bravo repleto de coragem, teve lugar porque o dito convidado entrou na “festa” sem se dirigir a ele. TERÁ SIDO O ÚNICO?! Sabe-se pelo menos que foi o único a ser expulso com auxílio dos seguranças e com palavras insultuosas proferidas pelo próprio Diplomata em frente a uma plateia numerosa.

...E a justiça foi feita!! Sim senhor, agora poderá reconfortar-se na sua camita e dormir como um anjo, porque ele próprio, o Exmo. Embaixador de Portugal, ladrou como um rufia, mordeu como um animal e prosseguiu a festa como um verdadeiro Diplomata!

Terá ele tido um dia dificil? Terá sido um acaso? Não aprecia particularmente o referido convidado? Terá ficado, simplesmente ofendido e sentiu-se deveras humilhado por não ter sido cumprimentado por esse vulgar convidado? Ou existirão outras razões mais escuras por detrás?

É que estamos a falar de uma convidada, adulta, casada e mãe, com a ficha limpa e sem qualquer filiação partidária, religiosa ou outras.

A verdade é que, POR TÃO POUCO não se esperava esta tão nobre reacção do Senhor Embaixador. É assim que se faz diplomacia.

Que é feito das características primordiais de um Diplomata, de um Representante, a Educação, a Inteligência Emocional e o Diálogo? São características que ao longo dos seus anos de serviço na Guiné-Bissau, não constam do seu Universo, por terem sido substítuidas por outras como baixo nível, ignorância e álcool, para não se falar do mau aspecto que o próprio homem apresenta!

Temos a certeza que o Pai Natal este ano irá felicitá-lo com o presente dos seus sonhos!

Indivíduos, com cargos de grande responsabilidade, com o peso de dignificarem as suas origens, se comportem sem formação, ou se achem Reis longe de casa, é uma cena altamente triste e vergonhosa.

Pessoas que na Europa são simplesmente insignificantes e inúteis, demonstram uma atitude selvagem de um país que se designa desenvolvido?!

Salvo raríssimas excepções, a Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau tem contado permanentemente com uma equipa constituida por elementos que têm deixado muito a desejar...Não é de hoje que a referida Instituição pauta pela indiferença, desinteresse por determinados portugueses. O que estarão cá, eles a fazer?!

P.S. O mais incrivel é existirem pessoas que, por uma ou outra razão, achem que a postura do Embaixador foi a melhor!!! OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS e sobretudo, para estas pessoas de curta visão, só se revoltam quando sentem na pele!!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Bissau, a capital africana do Hummer

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Pois é... a visita de Estado que o todo-poderoso presidente da Gâmbia, Yaya Jameh, efectuará a Bissau a partir de amanhã, 10 de Junho, tem tudo a ver... Quatro(!) jippes Hummer (incluindo uma pick-up), e três(!!!) Nissan Armada V8, todos a gasolina, estão em Bissau há dois dias. Uma comitiva de quase 100 pessoas (o grosso é composto por elementos da segurança, alguns em Bissau há uma semana), acompanham o presidente. Bissau ganha, durante quatro dias, o estatuto de capital africana do Hummer. Esperemos que o presidente Jameh tenha, também, trazido combustível, caso contrário - e lá estou eu a engolir o peixe pelo rabo - os camelos do Khadaffi entrarão em serviço mais cedo que o esperado...Poupem-me e aumentem lá o gasóleo que a marcha não pode parar... Quem mal que vos fica o show-off

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Reflexão para o 7 de Junho (I)

Espanta-me o estado de espírito actual dos guineenses, a sua resignação expectante: Passivo à superfície, mas atento e crítico no fundo. Aqui, neste projecto de país, pretende-se caminhar para a justiça social admitindo injustiças pontuais gritantes; prega-se a contenção, e o despesismo do Estado aumenta; quer-se dar excelência ao Ensino e pensa-se, muitas vezes, mais com um espírito economicista do que na natureza do saber.

Aposto mesmo que os nossos governantes pensam o seguinte:
«já que não é possível mobilizar o povo – porque não há ideias, ou porque simplesmente o povo não é mobilizável – neutralizemo-lo, baralhemos a sua 'consciência social' com o nosso pragmatismo ambíguo, obrigando-o a sacrifícios e impondo-lhe, aos poucos, mudanças estruturais; e avancemos assim, com o mínimo de conflitos, até onde pudermos.»

Tendo-lhe retirado deste modo a consciência clara do que realmente se está a passar (um doce a quem saiba para onde isto vai), insuflemos-lhe, pelo menos, a imagem de que se está a dar no duro... Talvez esta seja a única maneira de fazer avançar as coisas, dados os constrangimentos de uma mentalidade mais arcaica. Ocupe-se permanentemente a agenda política, produza-se o acontecimento e preencha-se o espaço político. O povo convencer-se-á, finalmente, de que não há outra via.

Porém, esta maneira de governar comporta dois perigos essenciais: por não haver uma visão geral coerente do que se quer, arrisca-se a não seguir uma linha que diminua progressivamente a injustiça, arriscando-se o governo a perder o «norte». O segundo perigo é o afastamento do povo – o que, precisamente, por razões vitais, o governo não pode querer. Mas até onde quererá ele ir?

António Aly Silva
Jornalista

sábado, 3 de maio de 2008

Só nos faltava mais esta!

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Agora, o coronel líbio Muhammar Khadaffi quer povoar África com... camelos. À Guiné-Bissau - que de camelos nem precisava, pois há por cá quanto baste - calhou cinco dromedários. Um animal que, a título de exemplo, pode beber de uma só vez... cerca de 200 litros de água. Que não nos falte nada, já que a nós nos calhou tudo!

sábado, 5 de abril de 2008

Compreender o jornalismo

Guiné-Bissau tem hoje um jornalismo bastante pior. E isso é mau, até porque devia ser melhor, por em geral dispor de outros meios e recursos, designadamente tecnológicos. Mas isso é outra história... Eu estou aqui para escrever sobre a falta de profissionalismo, e de alguma subserviência que reina na nossa imprensa.

A imprensa guineense difunde facilmente o sensacionalismo, a espectacularidade, a demagogia, a falta de rigor e, às vezes, até faltas de respeito pelas pessoas, e sua vida privada. Temos, por isso e na minha modesta opinião – ela vale o que vale, uma imprensa baralhada que confunde factos e opiniões; que transforma os próprios políticos em «comentadores»; que tem uma tremenda falta de notícias, e notícias bem feitas (exemplo simples: ao reportarem um colóquio ou debate com vários participantes, são capazes de «escolher» o que dizem apenas dois ou três, por serem os mais badalados, não referindo sequer a presença dos restantes, ou de narrar apenas o episódico, em prejuízo do essencial); etc.

Pior mesmo só o agravamento que se tem notado ao nível do laxismo no que respeita à ética. Não há bom jornalismo, nem sequer jornalismo decente, sem escrupuloso respeito pelas normas deontológicas. A verdade é que a deontologia não pode ceder a nenhum tipo de conveniências. E devemos ser nós, jornalistas, que temos de nos bater por elas, recusando terminantemente o corporativismo que caracteriza outras profissões, incluindo as magistraturas.

Esta minha contribuição pretende ajudar no sentido de se ultrapassar práticas ou defeitos que temo estejam a conduzir a uma progressiva degradação da imagem dos jornalistas. O jornalismo é antes de tudo «responsabilidade» e não «poder». A consciência da nossa responsabilidade, uma seriedade sem mácula, uma honestidade acima de toda a suspeita, de par com o espírito livre e a independência são os primeiros passos para um exercício digno da profissão.

O jornalista não pode ser arrogante, mas deve ser sempre que necessário incómodo, sobretudo com os poderosos; tem de saber ouvir os outros e respeitá-los, não ceder ao sensacionalismo nem à facilidade, fazer da isenção, do rigor e da qualidade exigências constantes.

António Aly Silva
Jornalista

terça-feira, 25 de março de 2008

O país de coisas únicas

Fotografia DR: António Aly Silva
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Na Guiné-Bissau, é facilmente visível, confia-se cada vez menos nos políticos. Se for feita uma sondagem ao nível da credibilidade destes, verão que os políticos perderão para os padres, os jornalistas, os militares, os juízes. Numa democracia a sério, o desejável é que os partidos políticos actuem como veículos privilegiados de um conjunto de ideias, de uma concepção do mundo, de uma visão da sociedade. Claro que, fazendo aliança com o primeiro que se lhes aparece, negociando sabe-se lá que tipo de «mercadoria», os partidos não cumprem esse papel, muito pelo contrário: deixam pura e simplesmente de ser círculos de ideias para se tornarem em bandos de interesses. Mais. Chega-se até ao ponto de considerar de «radical» e «intransigente» aquele que simplesmente defende o seu ponto de vista acima das conveniências da hora.

As visões do mundo aos olhos dos nossos políticos permanecem distorcidas e não são representadas pelos partidos. Por exemplo, é mais fácil encontrar na Guiné-Bissau uma ONG para defender uma ideia do que um partido político ou o próprio Estado. Isso mais não é do que um sinal eloquente da nossa debilidade partidária. Mas, apesar de tudo, dá, sim, para confiar nos políticos. Em alguns, é claro. Eles não serão os culpados por tais deformações. São apenas a personificação de um sistema partidário que nasceu torto.
Pelo modo como se formou o Estado guineense, e em razão de um paternalismo estatal patético e anacrónico, os partidos políticos não surgiram como canais de expressão de segmentos sociais. Foi o contrário. Primeiro, nasceram e, depois, saíram à procura de carta branca para «representação» deste ou daquele grupo social. Deu no que deu. Ainda está a dar. Certo é que, até hoje, nenhum partido político deste país pode gabar-se de representar a complexidade da nossa sociedade. Ao político do mundo de hoje, exige-se a coragem, a dedicação, a coerência, a integridade, o ser constante. E quanto mais soprarem os novos ventos, menos ele se deve esconder nas golas do casaco – mais prazer e, mais honra terá em dar a cara.

Em suma, há uma dramática falta de normalidade na Guiné-Bissau. Ao nível da cooperação, por exemplo, o normal é que ambos os lados tentem tirar a maior vantagem possível um do outro. O que é normal é que essas relações se baseiem, logo à partida, em relações comerciais com proveito para os dois lados. Eu, por muito que tente não ver, vejo mesmo todo esse desalinho, toda esta fealdade que se não prova a existência de Deus pelo menos prova a existência do Diabo. Temos de deixar de ser um nada onde tudo acontece.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Fadul ou a Bomba - quem rebentará primeiro?

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Eu, aposto que o Presidente do Tribunal de Contas irá rebentar... mas só depois de o seu partido amealhar o suficiente para as eleições. Contudo, e segundo a minha fonte, a coisa está a secar mais depressa do que aparenta...
PS - O que é que eu tenho de fazer para o Tribunal de Contas me penhorar o carro, pá?
AAS

Estado e Sodomia

Foto: DIREITOS RESERVADOS - António Aly Silva
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Os guineenses têm sido sempre psicologicamente preparados para sofrer. Eu quando os ouço preparo-me. É óbvio que, quando ouvem isto, os cidadãos temem. E tremem. É o Estado a preparar-se para nos ir ao pacote. Quer dizer, para nos irem ainda mais do que já vão num dia normal. Quando políticos e outros começam a falar assim, numa só voz, então é porque vamos ser “sodomizados”.

Quando o Estado pede sacrifícios aos cidadãos, então é o próprio Estado que tem um problema entre mãos. Vai daí, enquanto pedem “sacrifícios” numa voz séria mas meiga, obrigam os cidadãos a ajoelhar, de costas, a baixar as calças, e zunga!

É claro que eu, em certas circunstâncias, sou perfeitamente capaz de fazer sacrifícios pelo meu País. Mas quase trinta e quatro anos depois da (in) dependência, acho imoral que nos venham pedir mais sacrifícios. Primeiro, porque nós já fizemos esses sacrifícios nos últimos anos; e depois porque, na verdade, nunca os problemas da Guiné-Bissau foram tão culpa do... Estado da Guiné-Bissau.

É verdade que os homens nascem iguais e devem todos ter os mesmos direitos e blá, blá, blá... Porém, há uma grande diferença: nem todos estão ao mesmo nível; uns estão mais avançados que outros e são os que estão mais avançados que devem governar os outros, são eles que sabem. Mas, o que se vê neste País? Os mais atrasados a quererem mandar.

Para que o progresso se faça, é necessário aceitar as diferenças, é necessário que um elemento crie o seu contrário, o qual entrará em contradição com ele para o negar, discutindo, em paz. É que a nós parece que a vida nada ensinou. Se somos cegos, então apalpemos o caminho antes de avançar, senão caímos num buraco.

Os guineenses não têm feito outra coisa nos últimos 34 anos que não pagar do seu parco ordenado para manter a bandalheira do Estado. O Estado está com problemas? Então o Estado que resolva os seus problemas e nos deixe em paz... a minha vida, que já leva 40 anos, tem sido um esforço em mostrar a uns e a outros que há sempre lugar para o talvez.
Por: António Aly Silva
Jornalista

quinta-feira, 20 de março de 2008

Fogo Amigo

Foto: DIREITOS RESERVADOS - António Aly SilvaPhotobucket

Por: António Aly Silva
Jornalista


A mais recente polémica envolvendo a classe jornalística guineense, é grave e podia incorrer em danos maiores, Contudo, pode ser facilmente explicada. O jornalismo feito em Bissau não é fiável, é suspeito; não honra a sua classe, é influenciável. E selvagem.

A Guiné-Bissau devia ser um case study. Primeiro, porque nunca esteve, ao mesmo tempo, tão rico e tão pobre como hoje – nem tão corrupto. Segundo, porque tem a imprensa mais livre de África e, terceiro, porque nada disto deveria estar a acontecer, ainda por cima com – literalmente – toda a gente como espectador...

Como é possível que um jornalista não investigue uma notícia que lhe é passada – independentemente do seu interesse – e nem a analisa no contexto do tempo em que ela ocorre ou lhe é dada? Como se explica que o jornalista em causa não tente sequer confirmar junto de outras fontes, a veracidade dessa mesma notícia – e, não menos importante, porque não falou ele com o gabinete de imprensa do Estado-Maior General das Forças Armadas? Ou pura e simplesmente o jornalista não terá entendido o conteúdo daquilo que lhe foi dito?

Tive situações semelhantes (com as devidas diferenças, bem entendido) enquanto jornalista do semanário português «O Independente». Quando Ansumane Mané morreu, fui logo «notificado» por uma fonte, por sinal muito bem informada, do acontecido. Ouvi, engoli em seco, agradeci, desliguei o telefone e, num ápice comecei a corrida para a verdadeira cacha: a de confirmar, junto de outras fontes, independentes mas não menos credíveis, uma possível notícia ou não-notícia e/ou uma fraude/armadilha.No caso da morte do general, tratou-se mesmo de uma notícia: verdadeira, confirmada e reconfirmada, depois publicada, com repercussões em todo o mundo.
Contudo, foi uma dor de cabeça convencer o meu editor na altura, e a directora do jornal a publicar a notícia com o devido destaque: Foi manchete do caderno ‘Mundo’. E como se fez isso? Com a língua portuguesa. Escreveu-se: «Ansumane Mané, terá sido morto…», salvando-se assim o dia, a fonte e o que mais houvera.

O lead não acobarda ninguém, bem pelo contrário: salvaguarda o jornalista e o órgão para o qual trabalha, que é o que mais interessa. E dignifica a classe. Ainda assim, tivemos que enfrentar (eu e o jornal) um processo judicial movido pelo ministro da Defesa de Portugal na altura, Castro Caldas, para além de um comunicado escrito e difundido a cada meia hora pela rádio nacional, com a linguagem que se adivinha, do Presidente da República Koumba Yalá a ameaçar com os tribunais, caso as coisas não se ficassem por ali... «Este jornalista é um artista, e se houver por aqui artistas também vamos saber», numa clara indirecta às minhas fontes.
Nunca revelei uma na minha vida de jornalista. São nomes que me acompanharão até ao meu eterno descanso, na minha campa rasa e fria. No caso particular do titular da pasta da Defesa português, a coisa lá se arrastou, tendo há pouco chegado ao fim sem danos de maior para qualquer dos lados, e muito menos os danos colaterais que imagináramos, isto para falar dos advogados do jornal. Kumba Yalá desistiu de levar para a frente os seus intentos, pois também não tinha onde se segurar…

No caso guineense, do alarmante «desarmamento de esquadras», não me cheirou a armadilha, mas sim a precipitação jornalística; não se tratou de uma não-notícia … mas de uma notícia mal entendida. Voilá! É isso, alguns jornalistas entendem mal, levando a que quem os leia caie no descrédito e no ridículo. Basta abrir um jornal ou sintonizar uma estação de rádio, para se perceber como é que se traduzem (!) os noticiários, no caso das rádios; e/ou os textos de português ou sabe-se lá de que língua, no caso dos jornais. Um perfeito disparate, é o que é.

A isto chamo de copiar pela negativa. Não há uma preparação prévia, não se revêem os textos, nenhum apresentador os lê antes de ir para o ar. Nada. Limitam-se, às vezes num perfeito descaramento, a debitar disparate atrás de disparate, perante uma audiência dividida entre aqueles que gabam o apresentador, e os que, como eu, ouvem com espanto e de boca aberta.
Quando um jornal se decide pela publicação do que quer que seja, é bom que tenha onde se agarrar depois. Nada prejudica mais uma publicação, do que cair no descrédito junto dos seus leitores. Ou revelar a fonte de uma informação. Se um jornalista cair na asneira de revelar uma fonte, bem que pode começar a procurar outra profissão… de polícia, por exemplo!

Tenho acompanhado com acentuada preocupação, a situação na Guiné-Bissau. Acompanho o que lhe passa ao perto e ao longe, enxergo o que lhe mal fazem, ocultam, tramam, sonegam, roubam. Percebo onde lhe alvejam, meço o quanto lhe cerceiam ou destroem. Tenho-me contido, não acobardado. Eu sou apenas a favor da Guiné-Bissau. Contra os que lhe mal fazem, os que lhe roubam.

PS – Alguém comentou numa mesa de café, que o «Aly tem sido subserviente ao poder político, anda muito calado». Ora bem. Quanto à minha subserviência ao poder político, «exemplar» ainda por cima, não há muito que dizer: como não assenta em factos, trata-se pois de uma reles calúnia. E às calúnias responde-se com os tribunais, com o desprezo ou com um par de estalos. Sei que não se deve gastar cera com ruins defuntos, mas como esse alguém em causa é pantomineiro e ordinário, vou deixar ao meu humor vagabundo a decisão sobre qual destas formas de retaliação me trará mais prazer e menos incómodo. AAS